LOUVA-A-DEUS
Zune-me nas orelhas a campainha de casa.
Fico momentaneamente meio aturdido e a pensar no que será, "chuva não é certamente", mas vai-me calhar gente... certamente.
Instala-se o pânico das hipóteses:
É um familiar com assuntos de família.
Não, é uma vendedora que me vem dizer, que tem o melhor pacote do mercado… de telecomunicações.
Não, é um vizinho que não me cumprimenta, mas que precisa dum alicate.
Não, não é o Super Homem.
Levanto-me para ver quem é, abro a porta e eis que surge a realidade vestida da hipótese mais provável, mas que eu, esgazeado de sono e com o cérebro feito numa uva passa, nem sequer vislumbrei:
Duas almas de fato e gravata.
Pensei que eram homens de negro e me tinham confundido com um extraterrestre, mas não, vinham difundir uma religião.
Ainda só com meio neurônio às voltas e a tentar refazer-me do choque interior, percebi de imediato que me ia difundir...
Um deles avança então com um estilo de conversação bastante imaginativa e que por acaso nem é nada normal nestes casos:
– Boa tarde irmão, trago-lhe a palavra do Senhor.
Eu, estupefacto por não saber que eles eram da família, questiono:
– Vem trazer-me a minha palavra?
– Não, não é a sua, referia-me ao Senhor, o que está lá em cima...
– O idiota do sexto esquerdo?
– Não, não é isso, não está perceber, eu venho falar-lhe de Deus.
– Ó amigo, cada um tem a sua vida e eu não quero que venha a minha casa falar dos outros.
Ainda por cima não tenho nada contra a entidade em questão.
Não quero problemas com ninguém.
– Interrompemos alguma coisa importante que estivesse a fazer?
– Por acaso, estava ali a ver na televisão uma coisa muito importante: O método de confeção das raízes de eucalipto vermelho, que os aborígenes australianos consomem em noites de lua cheia.
– Ah...
– E antes, tinha acabado de ver como funciona o ciclo de reprodução da coruja de pata curta e pena branca escalada, nas estepes siberianas, no verão... em anos bissextos.
– Pois...
– E por causa de virem para aqui falar dos outros, já perdi o programa que dava a seguir, sobre a nefasta interferência das cores do arco-íris, no ADN da mosca da fruta.
– ... !..?
– E agora, se quiserem entrar, vai começar já, já, ali no mesmo canal, um extenso relato documental, sobre como eliminar com eficácia as pragas urbanas de Louva-a-Deus.
Acho que deviam ver... vem mesmo a calhar.
A bem do equilíbrio ambiental...
– Deixe lá, fica para outra altura. Entretanto, não se esqueça que o Misericordioso ama toda a gente.
– Isso é bom. Eu também não tenho nada contra Ele.
– Nós então, agora vamos. Temos de continuar a plantar a semente do Supremo, nas vidas dos nossos semelhantes.
Voltei para o sofá a pensar que, teria sido mais fácil, se me tivessem dito ao início, que afinal eram agricultores.
Tinha-me posto logo a cavar.
C.Cruz.
Comentários
Postar um comentário