DESASTRADOS





Confesso que sou um bocado desastrado. 
E também confesso, que digo que sou só um bocado, porque me apetece esconder uma parte da realidade. Feitios.

O desastrado, é uma espécie à parte, que se situa algures entre o macaco e Deus, mas como tropeçou na cadeia da evolução, não aparece na fotografia. 

Os desastrados, são seres dotados de grande resistência à dor física, porque estão habituados a que as mais diversas contrariedades esbarrem contra eles.
É aqui que bate o ponto.
Nós, os desastrados, nunca temos culpa do que nos acontece.
O mundo é que está construído com demasiados objetos contundentes e perigosos, que, ainda por cima, não param quietos e se atravessam no nosso caminho de forma inconsciente.
Atravessar espaços com muitos objetos, é para nós tão perigoso, como atravessar uma pista de carrinhos de choque num domingo de festa.

Definitivamente, o mundo físico não está desenhado para nós.
Os armários são demasiado baixos para as nossas cabeças e demasiado salientes para os nossos joelhos.
A cangalhada decorativa, que normalmente está espalhada pelas casas, gira à nossa volta como o teto dum quarto numa manhã de ressaca.

Realço, no entanto, um aspeto muito positivo:
As dificuldades fazem desenvolver caraterísticas específicas em qualquer ser vivo e os desastrados não são exceção. 
Existe uma capacidade que nós desenvolvemos, a um nível muito acima da média de qualquer outro ser, que é a capacidade de proferir um altíssimo número de palavras obscenas, no espaço de tempo dum fósforo a acender, quando as coisas que nos rodeiam teimam em testar a sua dureza nos nossos corpos e dão origem aquelas dores fininhas e filhas da mãe (estou a ser educado). 
Pode-se então concluir, que um desastrado desenvolve a sua destreza mental, quanto à capacidade de reagir com palavras obscenas, na proporção inversa da destreza física.

O desastrado, é o equivalente a um rinoceronte, que pretenda encher uma pirâmide de taças de champanhe; parte a garrafa antes de chegar às taças.
A culpa, no entanto, continua a não ser dele, os dias é que são duros e não dão espaço à normalidade.

Faço aqui um apelo aos fabricantes em geral:
Produzam todo tipo de coisas, de preferência, almofadadas, com sensores que lhes permitam detetar a nossa passagem e proceder ao respetivo desvio.
Também ao poder central e autarquias:
Mandem alcatifar as ruas e acolchoar os postes, os nossos ossos agradecem.
E em vez de conduzirem o país ao desastre, cuidem dos desastrados.
Lembrem-se que nós também votamos... Fica o pedido, em forma de aviso.

Para concluir, um viva sincero aos desastrados anónimos, porque sem eles, a maioria das coisas não se partiam em tão pouco espaço de tempo, produzia-se menos, baixava o consumo e a nossa economia estaria ainda pior, se é que isso é possível.

Bem, vou para dentro, que já encravei o teclado...

C.Cruz.

Comentários

  1. " A cangalhada decorativa que normalmente está espalhada pelas casas, gira à nossa volta como o tecto dum quarto em manhã de ressaca ".... gostei, sim porque cá em casa deixou de existir esse tipo de empecilhos para os desastrados anónomos e não só :P

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